OS DIREITOS HUMANOS ATRAVÉS DA HISTÓRIA
Fernando Sorondo
Fonte:
http://www.dhnet.org.br/dados/livros/edh/mundo/sorondo/sorondo2.htm
O conceito de Direitos Humanos admite múltiplas conotações e pode ser analisado sob a perspectiva de diversas disciplinas. Optei por considerá-lo sob dois aspectos, que constituem o essencial de seu caráter:
a) Que os Direitos Humanos constituem um “ideal comum” para todos os povos e para todas as nações e como tal se apresentam como UM SISTEMA DE VALORES.
b) Que este sistema de valores, enquanto produto de ação da coletividade humana, acompanha e reflete sua constante evolução e acolhe o clamor de justiça dos povos. Por conseguinte, os Direitos Humanos possuem uma DIMENSÃO HISTÓRICA.
1. DIREITOS HUMANOS SÃO VALORES
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela ONU em 1948, propõe os Direitos Humanos como “ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações”. “Consciência moral da humanidade”, “horizonte moral”, “consciência moral universal”, são distintos modos de assimilar o caráter essencialmente ético dos Direitos Humanos, conjunto de valores básicos e irrenunciáveis para a pessoa humana.
A partir desta condição axiomática dos direitos humanos, cabe distinguir pelo menos três efeitos de indubitável importância:
a) Que os Direitos Humanos orientam a ordem jurídica.
b) Que exercem uma função crítica sobre a ordem existente.
c) Que implicam na existência de condições sócio-históricas diferentes das oferecidas pela ordem existente para que seu cumprimento se torne efetivo. Em outras palavras, propõem uma UTOPIA.
1.1. Os Direitos Humanos orientam a Ordem Jurídica!
O núcleo do conceito de Direitos Humanos se encontra no reconhecimento da dignidade da pessoa humana. Essa dignidade, expressa num sistema de valores, exerce uma função orientadora sobre a ordem jurídica porquanto estabelece “o bom e o justo” para o homem.
Os Direitos Humanos estabelecem, assim, o “dever de ser” da ordem jurídica. Historicamente, ambas as soluções resultam da condição de um conflito:
a) Que uma ordem reconheça os direitos (Constitucionais, leis);
b) Que os direitos reconhecidos pela constituição e pelas leis, quando são transgredidos “legitimem os titulares ofendidos para pretenderem dos tribunais de justiça o restabelecimento da situação e a proteção do direito subjetivo, utilizando, se for necessário, o aparato coercitivo do Estado”.
1.2. Os Direitos Humanos interrogam a ordem existente
Perante a opinião pública, os Direitos Humanos são uma pergunta à queima-roupa frente a situação existente: por que tais direitos não estão contemplados em nenhuma norma? E se estiverem, por que não são respeitados na realidade?
Estas perguntas se levantam como um clamor de aspirações legítimas, inspiradas nos princípios que os povos reconhecem como valores inalienáveis.
Os Direitos Humanos “julgam” a ordem vigente, são um formador de opinião pública nos mais diversos confins do planeta, e põem a descobertos os condicionamentos econômicos, sociais e políticos que impedem sua completa realização. Por conseguinte, exercem função crítica sobre a ordem existente.
1.3. Os Direitos Humanos propõem uma UTOPIA
Os Direitos Humanos são reclamados, desde circunstâncias históricas concretas, por grupos sociais que assumiram a consciência de “uma nova Ordem”, na qual vejam cumpridas suas aspirações. Assim, a burguesia européia, e a francesa em particular, adquiriu, até o século XVIII, a consciência coletiva de “” uma realidade que era realizável em um meio sócio-histórico utópico, diferente do “Ancien Regime”.
No sentido de geradores de “utopias”, se pode dizer que os Direitos Humanos nunca podem ser alcançados totalmente. A luta por uma nova ordem, que transforma as condições históricas em que se origina, modifica em extensão e profundidade a consciência coletiva. Isto supõe a concepção de uma nova “ordem-utópica”, e conseqüente conflito nas aras do marco sócio-histórico exigido para a realização dos Direitos Humanos.

2. HISTORICIDADE DO CONCEITO DE “DIREITOS HUMANOS”
Pelo que acabo de assinalar, os Direitos Humanos são valores que “... não caem do céu, nem os lemos numa carta ou em um texto. São produto, assimilado na consciência coletiva, da luta histórica dos grupos sociais para impô-los e defendê-los”.
Esta posição difere das correntes de inspiração jusnaturalista, que definem os Direitos Humanos como algo que emana da natureza do homem: são direitos inerentes, inatos, naturais da pessoa Humana. Por conseguinte estão acima e antes do Direito Positivo, existem por si mesmos.
Em controvérsia com esta concepção, se critica no jursnaturalismo, porquanto postula “a existência de um cânon universal do justo e do bom”, que leva a uma “desistorização dos princípios em si, aceitando-se a estrada do histórico somente em relação a captação destes princípios, os quais estariam socialmente determinados só enquanto consciência deles. Enquanto princípios gerais e abstratos da ação humana, flutuariam acima da história humana, sempre iguais a si mesmos...”.
Para o jusnaturalismo, os Direitos Humanos devem ser entendidos como valores, mais além da circunstância de serem ou não reconhecidos.
A filosofia dos valores pode enriquecer muito este debate, mas está longe de meu propósito entrar em assunto tão complexo. Resta a escolha de cada um aproximar-se de uma ou outra posição.
Ao aceitar a existência de tais princípios naturais, imutáveis, seu conhecimento e interpretação estão sujeitos a condicionamentos culturais históricos. Por conseguinte, podemos admitir o valor “vida” como imutável, mas o conceito, como já afirmamos, se aprofunda e se estende por efeito do acontecer histórico e a conseqüente ampliação da “consciência histórica” a outros direitos.
Por outro lado, não aceitando a tese jusnaturalista, teremos que admitir a existência de um núcleo de valores irredutíveis – vida, por exemplo – que não podem ser desconhecidos em nenhuma situação em seu caráter de “valores fundamentais”, se bem que, de fato, possam ser transgredidos.
Em síntese, qualquer que seja a postura que se adote no que diz respeito a seu fundamento filosófico, os Direitos Humanos se vêem afetados por circunstâncias históricas, com as quais guardam uma relação dialética, desde o momento em que propõem uma utopia.
Quando e por que se convertem em normas universalmente conhecidas? Quando alguns princípios válidos para uma sociedade concreta, em uma determinada circunstância histórica da espécie? A resposta está na própria evolução do conceito de Direitos Humanos através da História.























