Fonte:
https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/13782/13782.PDF
Diversidade: Na busca pela garantia da Cidadania e de Direitos Humanos [1]
Marcio Eduardo Brotto [2]
Resumo: O debate acerca da diversidade e suas influências no âmbito das relações sociais tem se tornado constante em uma série de estudos contemporâneos. No entanto, essa afirmativa não atesta a premissa de que este seja um debate recente. Em si, denota a perspectiva de que sua abordagem ganha destaque e visibilidade frente às constantes e significativas transformações no cenário mundial. Fala-se aqui de transformações que, dentre tantas outras, se expressam na busca pela defesa e garantia de cidadania e direitos humanos; na igualdade de possibilidades e na eliminação do autoritarismo. Sem dúvida os desafios são muitos e superá-los requer investimento de diversos segmentos, dentre eles o profissional, na reafirmação da equidade e justiça social, princípios fundamentais na (re)construção de uma nova ordem societária.
Palavras-chave: Diversidade, Cidadania, Direitos Humanos, Relações Sociais.
Diversity: The search for the guarantee of Citizenship and Human Rights
Abstract: The debate about diversity and its influences within the framework of social relations has become constant in a series of contemporary studies. However, this statement does not certify the premise that this is a recent debate. In itself, denotes the view that their gained prominence and visibility approach when facing the constant and significant changes in the world. There is talk here of changes that, among many others, are expressed in the quest to defend and guarantee citizenship and human rights, equal opportunities, and the elimination of authoritarianism. Undoubtedly, overcoming many challenges requires an investment in several segments, among them the occupation, the reaffirmation of equity and social justice, and fundamental principles in the (re) construction of a new social order.
Keywords: Diversity, Citizenship, Human Rights, Social Relations.
Introdução:
O presente ensaio tem por propósito demarcar aspectos acerca da Diversidade enquanto categoria presente no contexto das relações sociais, em grande parte reafirmada por padrões éticos e morais constituídos historicamente. Permite assim, o reconhecimento de práticas que acabam por evocar, devido seu caráter contraditório, o debate sobre a garantia e consolidação da Cidadania e dos Direitos Humanos, fundamentais para uma sociedade contemporânea mais justa e igualitária.
[1] Este artigo é fruto das reflexões desenvolvidas e apresentadas na disciplina “Cidadania e Direitos Humanos”, ministrada pelo Prof. Dr. Pe. Luís Corrêa Lima e integrada ao Programa de Doutorado do Departamento de Serviço Social da Pontifica Universidade Católica do Rio de Janeiro.
[2] Assistente Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Especialista em Serviço Social e Saúde Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Mestre e Doutorando em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ). E-mail: tjca@ig.com.br
Frente a estes aspectos, será tomado como parâmetro aspectos acerca da diversidade sexual, os quais demonstram que apesar da existência de legislações e preceitos universais, a garantia de direitos igualitários ainda é rompida, sobretudo se considerada a perpetuação de padrões conservadores e estigmatizantes na relação entre os indivíduos.
Neste sentido, finalizamos apresentando as contribuições que o Serviço Social, enquanto categoria profissional, bem como os compromissos assumidos para efetivação de um de seus princípios éticos fundamentais, a saber: “o empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação social de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças” (CFESS, 1993).
Diversidade: O direito a ser diferente!
“Que nunca se diga: isso é natural, para que nada passe por imutável...”. Bertold Brecht.
Vivemos em uma sociedade marcada pela diversidade, expressa através de suas raças, etnias, culturas, modos de vida, valores, organizações, crenças, representações, enfim, de necessidades humanas historicamente constituídas.
Assim, torna-se possível demarcar a diversidade como um fenômeno concreto, objetivado e subjetivado no cotidiano das relações e da vida social, cuja (re) produção aponta para o processo de interação entre os indivíduos. É possível entende-la como o conjunto de peculiaridades e diferenças entre os indivíduos, impossíveis de serem padronizadas devido às características singulares de cada ser. Como aponta Fernandes (2004: 86):
“ao afirmar a diversidade como condição humana se está pontuando simplesmente que não se trata de considerar que alguns são diferentes de outros ou que esses “outros” sejam “iguais”, os “corretos” ou adequados diante daqueles que se diferenciam. (...) a diversidade se caracteriza pelo conjunto de distinções que se fazem entre todos os seres. A dinamicidade da realidade humana, seu movimento constante e inacabado, leva a distinções permanentes entre as pessoas. A diversidade vai transformando os padrões que são colocados pelo tempo histórico de cada civilização”.
Deste modo, as diversidades sempre estiveram presentes na construção das identidades de cada sociedade, que, ao longo do tempo, apresentam rupturas e, conseqüentemente, dão ênfase a diferenças não aceitas pelo coletivo, as quais acabam por resultar em relações de preconceito, discriminação, desigualdade, dentre tantas outras.
Neste cenário, se rompem os preceitos da tolerância (que supõe o direito de ser diferente) e da alteridade (que implica no respeito ao outro que é um diferente), enquanto mediações necessárias. A negação desses valores - caracterizada pelo desrespeito ao outro; pela intolerância - desponta na busca pela negação das identidades. Segundo Barroco (2006: 03):
“na intolerância, também ocorre uma relação social em que um dos sujeitos (ou um grupo, uma raça, etc) é diferente ou faz algo diferente e isso nos atinge; não ficamos indiferentes; porém nossa reação é oposta à da tolerância; aqui, diante das diferenças, assumimos atitudes destrutivas, fanáticas, racistas. A diferença é negada; mais do que isso, buscamos destruí-la, excluir a identidade do outro, através da afirmação da nossa, tomada como a única válida”.
A experiência da diversidade configura uma realidade que impõe a redefinição de conceitos tradicionais. Portanto, todo esse processo - e seus impactos, que envolvem nuances e perspectivas de interpretação da realidade - permite identificar que apesar de avanços em termos político-jurídicos, ainda há muito que fazer para sua efetivação em ações práticas.
Neste sentido, a busca pela superação de práticas excludentes reafirma a legitimidade do debate sobre os direitos humanos e de cidadania, de modo a delimitar as características de cada um e o entendimento acerca de suas finalidades e potencialidades de intervenção.
II) Cidadania e Direitos Humanos: concepções fundamentais para o debate.
“A liberdade é a fonte de onde brotam todos os significados e todos os valores”. Simone de Beauvoir.
A construção de instrumentos direcionados a defesa e garantia de direitos, na busca por uma sociedade que respeite as diversidades, se constitui como elemento marcante das sociedades, sobretudo democráticas, a partir do século XIX. O marco deste processo se expressa, em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujos princípios vem sendo fortalecido pelos diversos movimentos e ações públicas que buscam afirmar direitos de Cidadania, integrados as legislações das sociedades contemporâneas.
Assim, Cidadania e Direitos Humanos constituem conceitos de significação semelhante, capazes de configurar a interdependência de idéias e práticas. Compreende-los é fundamental, sobretudo se considerarmos que é justamente nas sociedades que são marcadas por variadas formas de intolerância, que a idéia de direitos humanos e, mesmo cidadania, permanece ambígua e deturpada. Fato que demarca este direcionamento é associação constante dos Direitos Humanos com a criminalidade, presente na manipulação da opinião pública.
Os direitos de Cidadania estão relacionados a um determinado ordenamento jurídico, sendo específicos dos membros de um Estado Nação, cuja constituição delimita direitos e deveres. O debate acerca da esfera pública, e da participação democrática, se coloca como necessário para sua legitimação e fortalecimento. A idéia de cidadania está vinculada a decisões políticas, não estando necessariamente interligada a valores universais, nem podendo ser utilizada para justificar a violações de direitos fundamentais. Assim:
“um determinado governo, por exemplo, pode modificar radicalmente as prioridades no que diz respeito aos deveres e aos direitos dos cidadãos; pode modificar, por exemplo, o código penal, no sentido de alterar sanções; pode modificar o código civil no sentido de equiparar direitos entre homens e mulheres; pode modificar o código de família no que diz respeito aos direitos e deveres dos cônjuges, na sociedade conjugal, em relação aos filhos, em relação um ao outro” (BENEVIDES, 2005:04).
Para além desta perspectiva, os Direitos Humanos apresentam como núcleo fundamental o direito à vida e, por conseguinte, a dignidade da pessoa humana, que agrega como características fundamentais: o uso da palavra; a liberdade expressa na capacidade de tomar decisões; a capacidade reflexiva; a sociabilidade e, dentre outras, a unicidade existencial (BARROCO, 2006). Podem ser caracterizados como:
(1) Naturais: devido seu caráter intrínseco a natureza humana;
(2) Universais: por serem comuns a todos os indivíduos, sem distinções de gênero; classe social; etnia; nacionalidade; religiosidade; opção sexual, dentre tantos outros aspectos. Estão relacionados ao reconhecimento da dignidade como parte de todo ser humano;
(3) Históricos: por se modificarem ao longo do tempo e do processo de (trans) formação das sociedades; e
(4) Indivisíveis e Interdependentes: pois não podem ser fracionados; segmentados entre grupos sociais distintos.
Tomando por base esses princípios, os Direitos Humanos não são determinados por um fundamento absoluto, mas a partir de três concepções, a saber:
Idealista: nos remete ao modelo jusnaturalista, que entende os Direitos Humanos como Naturais, pautando-se numa visão abstrata e ideal, correlacionando os Direitos Humanos a valores advindos de uma ordem superior metafísica;
Racionalista-positivista: entende os Direitos Humanos como Direitos Fundamentais e seu reconhecimento está vinculado ao Estado, através de sua elaboração legislativa.
Critíco-Materialista: de caráter histórico-estrutural, o reconhecimento dos direitos é resultante de um processo histórico marcado por influências políticas, econômicas e ideológicas.
Deste modo, dada sua constituição e os diversos fatores que a influenciam, os direitos humanos, em sua evolução histórica, são classificados em três gerações - com referências claras a uma quarta em processo – que se articulam aos ideais da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Conhece-las é fundamental na reafirmação dos ideais e diretrizes que comportam a trajetória em defesa da garantia de direitos.
A primeira geração de Direitos Humanos agrega os chamados direitos civis; as liberdades individuais. É composta por direitos individuais contrários à opressão do estado, as perseguições de cunho religioso ou político, bem como, a doutrina absolutista. Esses direitos - dentre eles o de propriedade; segurança; integridade física; religiosidade; entre outros – foram consagrados através de várias declarações e também nas Cartas Constitucionais de vários países.
A segunda geração de Direitos Humana está vinculada aos Direitos Sociais, demarcados pelas lutas dos trabalhadores no decorrer do século XX, qualificadores do que se denominou Estado de Bem Estar Social. Destacam-se os direitos correspondentes ao mundo do trabalho – como: salário; seguridade social; férias – ou àqueles que apresentam um caráter social mais geral – como: educação, saúde, habitação e outros.
Já a terceira geração de Direitos Humana condiz aos Direitos Coletivos da Humanidade, garantidos pela integração de diferentes segmentos das sociedades e nações. Dentre esses direitos se destacam os relacionados à autodeterminação dos povos; ao desenvolvimento; ao meio ambiente; ao patrimônio comum da humanidade; a paz; dentre tantos outros.
Por fim, com base na transformação das estruturas sociais é importante destacar referências a uma quarta geração de Direitos Humanos que surgem e se firmam a partir de novas descobertas científicas e novas abordagens sobre a realidade, tomando por base as mudanças e diversidades políticas e culturais.
Todos esses elementos articulados se tornam fundamentos para organização de ações e estratégias na busca pela igualdade, cujo significado não condiz à uniformidade. Esses elementos nos instrumentalizam a luta por uma igualdade:
diante das leis e da justiça - que democraticamente devem ser acessíveis a todos;
na reafirmação da dignidade - através de um mínimo que garanta a vida; e
no direito a diferença – onde todos possuem igualmente direito a diversidade.
III) Obstáculos na Garantia de Direitos: A diversidade sexual como elemento de análise.
“A humanidade será livre quando todo homem particular possa participar conscientemente na realização da essência do gênero humano e realizar os valores genéricos em sua própria vida, em todos os seus aspectos”. Karl Marx.
Apesar de constituídos, os Direitos Humanos e de Cidadania enfrentam obstáculos para sua efetivação em diversos campos. A esfera pública, locus central e imperativo para sua consolidação, demarca a disputa frente à ideologia conservadora, autoritária, segmentada, pautada na defesa da manutenção de uma ordem social perversa, composta por valores considerados únicos, pré-determinados e imutáveis. São diversas as polêmicas, muitas delas envolvendo atos violentos, justificados pela concepção de práticas culturais (genocídio; racismo; mutilação sexual).
Como reflexo, a sociedade contemporânea ainda conforma uma série de violações aos direitos fundamentais do ser humano (guerra, trabalho escravo, prostituição infantil, entre outras), dentre as quais se situam aquelas relacionadas à discriminação e violência, decorrentes da orientação sexual e de identidade de gênero dos indivíduos sociais.
Fala-se aqui: (1) de um processo de naturalização da heterossexualidade como a única expressão de sexualidade aceita; (2) dos crimes que caracterizam violências físicas contra homossexuais e travestis – crimes praticados com crueldade, por intolerância à diferença; (3) da homogeneização de padrões que negam expressões da diversidade. Estas expressões se enraízam no seio da sociedade desqualificando a diversidade sexual; afetando as representações relativas à homossexualidade em distintos setores.
Nos termos desta perspectiva, situam-se pesquisas que chamam a atenção para a influência conservadora no trato das questões juridicamente legais, que envolvem a sexualidade. Dentre elas destacam-se os estudos desenvolvidos por CARRARA et al (2006), apresentados no artigo “A Constituição da Problemática da Violência contra Homossexuais: a articulação entre ativismo e academia na elaboração de Políticas Públicas” onde, dentre outros aspectos, são apresentadas - a partir do levantamento de assassinatos de homossexuais no Rio de Janeiro - as representações de policiais, promotores, juízes e advogados, sobre as relações estabelecidas a partir desta opção sexual. Os resultados destacam que:
“além de reiterarem a idéia de que as vítimas contribuíram para sua morte, com uma “vida de risco” ou como reféns de uma “patologia”, tais representações determinam os rumos das investigações e etapas dos processos” (CARRARA et al, 2006).
Em outro artigo intitulado “Ta lá o corpo estendido no chão... a violência letal contra travestis no Município do Rio de Janeiro”, o autor aponta para a importância de se investigar as nuances da violência homofóbica, muitas das vezes qualificadas como crimes de ódio, e as formas como essa violência é “exercida, socialmente codificada e punida”. Neste caso destaca que:
“a indiferença (...) na apuração de maior parte desses crimes parece encontrar eco nas representações negativas de travestis como homossexuais especialmente desajustados, de modo que sua morte, em geral em idade bem inferior do que a das vítimas de latrocínio, tende a ser tomada (...) como conseqüências de um modo de vida constantemente próximo da ilegalidade e que é recebida com poucas pressões, sobretudo familiares, por sua apuração e por justiça” (ibidem).
Todos esses aspectos se contrapõem a visibilidade que o debate sobre a sexualidade vem demandando na agenda política pública, cujos movimentos sociais (GLBT – Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transgêneros) demarcam a importância do reconhecimento das identidades e dos direitos reprodutivos e sexuais.
IV) A Contribuição do Serviço Social na construção de uma nova ordem societária
“Queria entender do medo e da coragem, e da gã que empurra a gente para fazer tantos atos, dar ao corpo ao suceder [...]. Mire, veja: o mais importante e bonito, do mundo é isso: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando”. Guimarães Rosa.
O Serviço Social enquanto profissão, inscrita na divisão sócio-técnica do trabalho, demanda, de seus operadores, intervenções nas múltiplas expressões da questão social, se colocando como necessária à capacidade de compreensão da realidade social, bem como de uma série de instrumentos e legislações que fundamentam o processo de acesso à garantia de direitos.
Esse processo se constitui em uma das diretrizes que integram o Projeto Ético Político Profissional, que aponta para as múltiplas determinações do ser social, consolidando subsídios nas ações de defesa e ampliação dos direitos.
Portanto, a partir desta perspectiva, o primeiro aspecto a ser demarcado no âmbito do Serviço Social corresponde aos compromissos assumidos através do Código de Ética Profissional – que deve ser considerado não só como um instrumento jurídico e normativo, mas, sobretudo, político e educativo.
O referido Código demarca o compromisso da profissão com os direitos humanos e de cidadania, apresentando onze princípios fundamentais que devem nortear a atuação da categoria, dentre os quais merecem destaque:
Primeiro Princípio: “Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas a ele inerentes: autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais” – aponta para necessária compreensão de que, no decorrer do exercício profissional, a necessidade de liberdade deve estar articulada ao ideal de igualdade; uma requer a outra e vice-versa;
Segundo Princípio: “Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do livre arbítrio e do autoritarismo” – assinala que a categoria profissional se posiciona contra qualquer tipo de abuso de autoridade; violência doméstica; grupos de extermínio, e outros, em favor da humanização e sociabilidade igualitária;
Terceiro Princípio: “Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda a sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis, políticos e sociais das classes trabalhadoras” – implica em apreender o real significado da cidadania, pautado na universalização de direitos e na luta por sua consolidação;
Quinto Princípio: “Posicionamento em favor da equidade e justiça social, de modo a assegurar a universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como a sua gestão democrática” – pressupõe a garantia de acesso igualitário e universal a direitos garantindo na democratização de critérios de inclusão.
Sexto Princípio: “Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, o respeito diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças” – aponta para necessidade de não ceder a concepções pré-concebidas, buscando a construção de idéias que não se prendam a particularidades individuais.
Oitavo Princípio: “Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem dominação” – exploração de classe, etnia e gênero – corresponde à defesa de uma nova estrutura social e de relações assentadas em parâmetros igualitários entre todos os sujeitos, onde as relações coletivas e individuais sejam humanizadas;
Décimo Primeiro Princípio: “Exercício do Serviço Social, sem ser discriminado, nem discriminar por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade, condição física” – assegura direitos para os profissionais e exige respeito para diferenças apresentadas por usuários e demais profissionais.
Esses princípios fundamentam as reflexões e práticas, sendo a expressão dos avanços obtidos na trajetória histórica da profissão e base na luta contra todas as formas de alienação e opressão social.
Neste sentido, o Serviço Social, como interlocutor no campo da defesa de direitos, tem promovido iniciativas relevantes na defesa de direitos humanos, com destaque para o lançamento Nacional da Campanha pela Liberdade de Orientação e Expressão Sexual, que vem se materializando sob a direção das entidades representativas da categoria, que vem investindo na operacionalização de ações estratégicas, as quais envolvem, dentre outras: produção de material de divulgação; articulação junto a movimentos sociais que atuam na defesa da liberdade de expressão e orientação sexual; produção de manifestos e produções científicas sobre a temática e sua relação com o âmbito de atuação do Serviço Social.
A partir destas investidas que se firmam no desenvolvimento de um profícuo debate, vão se normatizando diretrizes que ganham visibilidade nacional através da Resolução nº 489/2006 do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) que “estabelece normas vedando condutas discriminatórias ou preconceitos, por orientação e expressão sexual por pessoas do mesmo sexo, no exercício profissional do assistente social, regulamentando o princípio inscrito no código de ética profissional”.
Em si, a resolução torna-se um instrumento da luta que objetiva democratizar os espaços institucionais de atuação profissional e de acesso da população diante da liberdade de orientação e expressão sexual, atentando para o exercício da profissão sem discriminar ou ser discriminado.
Estamos em movimento; as demandas em torno da diversidade são constantes e cada uma delas clama pelo seu legítimo reconhecimento. Portanto, torna-se necessário dar visibilidade às intervenções, aos avanços em cada esfera de atuação – que são múltiplas, mas onde a categoria se situa, seja na realização de atendimentos ou em espaços de gestão e formulação de políticas. É preciso dar visibilidade aos avanços alcançados e demarcados em cada instituição, criando formas de socialização e reconhecimento dos investimentos feitos e resultados alcançados3 . É preciso instrumentalizar os movimentos sociais que lutam por direitos para reivindicações coletivas e não particularizadas.
Os desafios são muitos. Vão desde a superação de uma tradição determinista (com o reducionismo de lutas importantes no âmbito da igualdade de oportunidades); da influência do economicismo e do politicismo no trato da diversidade; até o imperativo de qualificação da direção social das lutas pelo reconhecimento e valorização da diversidade social – contra a xenofobia e a reprodução das discriminações e preconceitos.
Considerações Finais
O desafio está posto e convivemos diariamente em uma sociedade marcada por projetos em disputa; uma sociedade com grupos sociais distintos; pautada em uma lógica que tende a valorizar o individualismo, em detrimento dos pensamentos e ações coletivas.
Superar esse desafio e reconhecer as diversidades em suas múltiplas formas é o compromisso de todo profissional, engajado na proposta de transformação da sociedade. Esta mudança também é um desafio para os demais indivíduos sociais que, alienados ou acríticos a esse processo, o legitimam; na maioria das vezes por banalizá-los ou naturalizá-los, não reconhecendo o potencial de intervenção do coletivo nas transformações da sociedade,
3 Aqui convém explicitar a experiência vivenciada, acerca do debate e ações relacionadas à diversidade sexual, no âmbito da atuação profissional junto a Secretaria Municipal de Assistência Social da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, que além de ter constituído em sua estrutura um núcleo de direitos humanos, vem produzindo eventos e materiais que permitem a socialização de garantias demarcadas legalmente na esfera executiva e legislativa municipal. Assim, dentre outras iniciativas, destacam-se:
(1) uma série de eventos, como o Mérito Carioca da Diversidade Sexual e o lançamento da Campanha Rio Orgulho, o que simboliza e dá inicio as celebrações dos 40 anos de Stonewall – o que também contempla a realização, em agosto de 2008, de um seminário sobre a temática da Diversidade Sexual;
(2) programas e projetos que atuam diretamente com o segmento GLBT, a exemplo do DAMAS que tem por objetivo a inserção de travestis no mercado de trabalho formal;
(3) um conjunto de Legislações e Decretos Municipais que garantem direitos a servidores que mantém união estável com outra pessoa do mesmo sexo; e
(4) publicação do 13º Volume dos Cadernos de Assistência Social, que aborda o tema “Diversidade Sexual – combate ao preconceito e a discriminação” de acesso a todos os profissionais da rede sócio-assistencial do Município, as Secretarias de Assistência Social de outros Estados e Municípios, bem como ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, da Saúde, dentre outros.
reforçando as diretrizes conservadoras influentes em determinado período do processo histórico. A diversidade ainda se coloca como um objeto com diversos elementos a desvendar. Se permitir participar do debate sobre os elementos que interagem é permitir se colocar atento às mudanças significativas e necessárias na teia das relações sociais, na busca imperativa pela igualdade e condições equinames de acesso e efetivação da garantia de direitos.
Referências Bibliográficas:
BENEVIDES, Maria Victoria. Cidadania e Direitos Humanos. IEA/USP: São Paulo, 2006.
BONETTI, Dílseia. Serviço Social e ética: convite a uma nova práxis. 6ª edição. Cortez: São Paulo: 2005.
BARROCO, Maria Lúcia Silva. Ética, Direitos Humanos e Diversidade. In: Cadernos Especiais. Número 37. Rio de Janeiro, 2006.
CARRARA, Sérgio e RAMOS, Silvia. A Constituição da problemática da violência contra homossexuais: a articulação entre ativismo e academia na elaboração de políticas públicas. In: Physis: revista de saúde coletiva. Volume 16. Número 02. Rio de Janeiro: UERJ/IMS, 2006.
CARRARA, Sérgio e VIANNA, Adriana R. B. “Ta lá o corpo estendido no chão...: a violência letal contra travestis no município do Rio de Janeiro”. In: Physis: revista de saúde coletiva. Volume 16. Número 02. Rio de Janeiro: UERJ/IMS, 2006.
FERNANDES, Idilia. “A questão da diversidade da condição humana na sociedade”. In: Revista da ADPPURS. Número 05. Porto Alegre, 2004.
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. Companhia das Letras: São Paulo, 1988.
























